Quando vivemos num outro país há coisas novas que começam a entrar no nosso quotidiano. É natural, e ainda bem que assim é. A visão tradicional e formatada que temos do mundo é desafiada a cada passo que damos, seja fácil ou não de a absorver, é isso que faz alguém crescer interiormente e ir ganhando horizontes mais amplos.
Na Holanda tenho sido desafiado por «coisas» boas e más. O que tenho de Portugal também são «coisas» boas e más. Nações não se comparam, um país não tem que ser melhor que o outro, não é isso que este blog pretende passar, afinal de contas entre um Chaparro e um Moinho muitas «coisas» melhores ou piores existem.
A «coisa» que me fez criar este novo artigo está relacionada com uma característica muito acentuada na cultura portuguesa: o uso de títulos antes dos nomes.
É algo muito português e que muitas das vezes pode até nem ter maldade nenhuma. Mas, em termos pessoais, o exigir que se trate determinada pessoa não apenas pelo seu nome pessoal – que na verdade foi isso que ela trouxe ao mundo e é também o que irá levar dele – mas sim também com um título académico tal como Sr. Dr. ou Eng. é algo que nunca consegui absorver da cultura do meu próprio país.
Condeno, e chega a dar vontade de ir à casa de banho, quando alguém faz questão de sublinhar que quer ser tratado por Sr. engenheiro, doutor, mestre ou sei lá mais o quê (e quando estas todas vêm misturadas numa só, ainda mais vontade de rir dá). Isso é tentar criar um degrau acima dos outros. Isso é, entre muitas outras coisas, um problema de auto-estima.
Certamente que todos vós sabem do que falo, sejam a favor ou contra, e muitas histórias presenciaram (podem usar os comentários aqui em baixo, seria interessante saber as vossas experiências sobre o tema). Aqui vos dou um simples exemplo: Quando terminei a licenciatura – “«Engenharia» Informática” – uma das questões do meu banco em Portugal foi “E agora, pretendes receber as nossas cartas e formalidades como Sr. Eng. Ricardo…?” Bem! Verdade seja dita que não é um exemplo assim tão extremo e até estiveram bem em perguntar primeiro. Como é que eu reagi? Como devem imaginar primeiro deu-me aquela vontade de ir à casa de banho, mas antes disso consegui responder que não à questão. No meu caso, antes de tirar a licenciatura já trabalhava na mesma área. Já gostava daquilo que fazia e que faço. Tirei o curso por valorização pessoal, não para aumentar o número de letras do meu nome ou sentir-me acima de gente que na verdade é igual a mim e a ti.
Está justificado um dos meus ódios de estimação, mas voltemos ao tópico. Chego à Holanda e nesse aspecto as coisas são bem diferentes. Lá está, o tal «choque» cultural.
Num ambiente profissional, lidar com um chefe ou director da empresa é como lidar com um colega de equipa. Não há “doutores” ou “engenheiros”. Há gente que trabalha de igual para igual e que gostam muito de implementar a chamada estrutura organizacional horizontal. Por outras palavras, desde que aqui estou que sinto menos vontade de ir à casa de banho.
Este pode ser também um tema muito interessante se quisermos ir mais ao fundo da questão. Encontrei e li sobre um excelente trabalho desenvolvido por um psicólogo holandês (pura coincidência) chamado Geert Hofstede. Falando muito resumidamente sobre este estudo, Hofstede estudou durante muito tempo certos comportamentos culturais na sociedade e no fim conseguiu criar um método de comparação entre vários locais diferentes. Ele baseia-se em quatro variáveis (chamadas de “dimensões culturais”) para dar provas à sua teoria. Aqui falo da que mais está relacionada a esta questão: A distância hierárquica. Esta variável considera que nos países / regiões tais como Portugal, Espanha, América Latina, etc. os superiores (chefes) e subordinados (empregados) consideram-se desiguais por natureza. Enquanto que noutras regiões tais como EUA, Países Europeus nórdicos, Austrália, etc. essa mesma ligação é limitada, por outras palavras, as pessoas sentem-se mais iguais por natureza. Ele também escreveu um livro chamado “Culture’s Consequences” onde fala sobre toda esta sua teoria. Vou encomendar o meu dentro de dias, depois digo-vos como correu a leitura!
Sendo ou não uma questão cultural é algo interessante de filosofar, não acham? A interpretação fica no ar!
Até ao próximo post!
Olá! Hola! Hello (…)
Portugal está a anos luz de compreender tal coisa e eu própria tive que engolir em seco quando aos ouvidos do meu primeiro chefe disse em voz bem alta que não chamava doutor a quem pelo menos não tivesse feito um doutoramento (apercebi-me, ao mesmo tempo que soltava as palabras, que já o fazia a mais de um mês e num fade out perfeito fui calando e engolindo e lutando internamente e…). Infelizmente isso passa bastante em Portugal e não acredito que vá mudar tão cedo.
Já em mini-defesa da Espanha tenho a dizer que de algo havia de servir a estes espanhóis quererem ser mais como os americanos, pelo menos essa relação chefe > empregado em áreas menos conservadoras cada vez se vai sentido menos e tenta-se alimentar a ideia de trabalho em equipa por isso a pouco e pouco a coisa melhora. Ainda assim há uma longa estrada para chegar ao exemplo dos nórdicos.
Boas Diana!
Obrigado pelo teu testemunho.
De facto é isso mesmo, conheço muitos exemplos como o teu. Não devemos generalizar, mas generalizando é isso que acontece na maioria das vezes!
Boa sorte para ti em Madrid e espero que esse melhoramento continue sempre a subir!
Olá,
Eu, Holandesa, vivo em Portugal há 25 anos. Custou nos muito para nos habituar a chamar Dr.Eng etc. etc. Felizmente este habito está a mudar.Hoje em dia estou mais vezes em dúvida chamar o médico, o veterinário, Dr, Sr ou simplesmente pelo nome. A final sou muitas vezes mais velhas do que a pessoa em frente da mim, e devia ser tratada como Sra. Mas nem sempre tratam me como Sra.como é hábito na Holanda.
Marianne
Obrigado pelo comentário Marianne.
Realmente é curioso saber o contrário – quando um Holandês vive em Portugal há tanto tempo como é o seu caso.
Realmente este post deveria ser lido por todos os portugueses!!! Acho que em Portugal existe uma grande distância entre chefe e empregado. E por vezes são pessoas com o mesmo grau académico! Ou não tem grau académico nenhum! Seja como for, cria-se um ambiente constrangedor e de certa forma nunca será implementado a “estrutura organizacional horizontal”. Era bom sim!!! Mas ainda estamos muito atrás desse sonho se realizar!
é verdade!
Também foi uma das maiores diferenças que encontrei quando cá cheguei… É das coisas que mais me agrada nesta cultura…
http://loveadventurehappiness.blogspot.nl/2016/01/o-poder-das-aspas.html
Mais curioso é quando pessoas que não ostentam qualquer título académico pedem para ser tratadas por Dr., incluindo nos cartões de crédito, “esquecendo” tal tratamento a subordinados efetivamente formados academicamente.
Mais engraçado é quando esses mesmos entram no ensino superior pelos +23, com o único objetivo de oficializar tal título, e não passam das cadeiras de primeiro ano.
Cenas engraçadas, de pessoas sem graça.
Por isso é que no meu dia a dia aplico algo mais centro-europeu: Sr./Sra. .
É bom saber que a minha geração faz questão de acabar com os títulos da farinha amparo para os pavões.
Há poucos dias rabisquei meia dúzia de linha, sem nenhuma pretensão de serem “texto” sobre a vassalagem que os Portugueses prestam a títulos. Não é às pessoas!!! É mesmo a títulos. valorizam-nos pelas “medalhas ” que antecedem o nosso nome.
Encontro-me em fase de Doutoramento, e uma colega que tem licenciatura disse-me: ” Fazes bem, assim vais ser doutora a sério”!!!! Fiquei perplexa e pensei para mim: sem saber, sabe que doutor só se aplica a quem tem doutoramento. A única aspeto positivo dos títulos, é o que se trabalhou, a pesquisa… o estudo, que, assumo, adoro!